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Liberdade Sociedade

Anónima

‘’O corpo vai falhando, o sistema não’’

 

*

Se me permitem, vou ser sincero.

 

Por onde começar. É uma pergunta que me atormenta. Não é de agora. Por onde voltar a começar. Começar a vida outra vez, como sempre como d'antes. Tantos blocos de notas, cadernos, pedaços de conclusões, de partidas, de abraços, beijos, lembranças das quais tenho medo de me esquecer.

 

Apontamentos para adiar a memória.

 

Um quarto despido de preconceitos. Um colchão no chão rodeado de cartazes da ópera, souvenirs dos artistas de rua, guardanapos com batom, postais da família e da revolução. A pilha de livros que vão a meio desde que os comecei a ler. Ao João lições de felicidade e saudades. Algumas roupas, fotografias, cds... cada vez menos coisas na mala. As cidades são todas iguais, ruas onde se pratica o presente, se exercita o quotidiano que fingimos viver, pelos menos eu finjo. Um colchão no chão, sem vírgulas, sem travessões, só a febre do que existe como num livro se disse, ali mesmo diante dos olhos, há uns minutos, ali mesmo ao virar da esquina...

 

Aqui.

Aqui dentro do romance em que vivemos, pelo menos eu vivo.

 

Andei pelo tempo que me trouxe a esta inauguração, perplexo com o avançar desenfreado deste nosso mundo. Percorri variados cantos do globo sem que na minha cabeça, um minuto de turismo se propusesse.  

 

O que sei fazer, é ser quem sou.

 

Ocupado, cada vez mais ocupado, com matérias de interesse pessoal, sem qualquer motivação fiduciária.

Quando mais me ocupo de mim, mais de vocês participo.

 

Não me empreguei eficazmente no teatro, nem nas letras, nem tão pouco nas indústrias do vapor. A conclusão é que vamos todos comendo da mão de empregadores cujo culto da bajulação se tornou ritual de iniciação. Serviços multinacionais dedicados ao infortúnio, serventia dos antigos reinados no exílio digital.

 

Quando aconteceu aparecer novamente na imprensa os bombardeamentos na Síria, estava a caminho do espectáculo para estrear a Caverna do Pombo. Nao consegui deixar de sentir em momento algum que a minha atitude para vos pertencer, seria um acto de retribuição contida.

 

Sem saber ainda como sucedem as alturas em que tenho pena de mim próprio, o que terei sentido na altura, foi mesmo pena, pena de todos nós.

Penas de pássaro.

 

Esta obra nasce contra a corrupção do espírito.

Há uma guerra santa que deve ser fundamentalmente travada face ao pânico desta sobrevivência tecnológica.

E cá ando, a inventar esse indispensável desvio às maneiras recomendadas pela crítica.

 

Quem diz inventar, diz produzir.

 

A função produção, entendida como o conjunto de atividades que levam à transformação de um bem em outro com maior utilidade.

Dizem portanto que o homem deve ser útil, mas muito fica sempre a dar a essa luta pela utilidade…

 

Eu digo que o Homem deve ser livre.

Livre para escolher, entre a distribuição de bens e gestão de recursos entregue a essa matilha burocrata de criminosos, ou um ser humano devidamente instruído pela sua vontade de vida. Pela sua habilidade de se inventar.

 

‘’Você deve estampar sempre um ar de alegria
e dizer: tudo tem melhorado
Você deve rezar pelo bem do patrão
e esquecer que está desempregado
Você deve aprender a baixar a cabeça
E dizer sempre: "Muito obrigado"
São palavras que ainda te deixam dizer
Por ser homem bem disciplinado
Deve pois só fazer pelo bem da Nação
Tudo aquilo que for ordenado
Pra ganhar um Fuscão no juízo final
E diploma de bem comportado
Você merece, você merece
Tudo vai bem, tudo legal’’

 

Dois diazinhos de folga se tanto, e aos oitenta apita que a variedade de cuidados paliativos e equipamentos sociais ao dispor do recém reformado são uma delícia...

 

Não tenhas medo,

vais morrer sozinho na mesma,

todavia será como ir passar o natal a casa.

 

A nossa independência está seriamente ameaçada por esta democracia meramente representativa dos barões assinalados.  

Como sempre como d’antes.

 

‘Há muita gente a comer da papa do coitado.’

 

De que serve um hospital para os que não tem casa? De que serve a educação aos que não tem saúde? De que serve o trabalho senão para nos inspirar? De que serve uma boca alimentada que não se deixa cantar?

 

Fomos incrivelmente ingênuos e passivos perante o neoliberalismo… sr procurador, oh senhor procurador, sô doutor… como foi vossa excelência acabar trancado no closet da naftalina?

 

Hoje queria falar/vos de tantas coisas bonitas, mas também eu travo essa batalha de mascarar a raiva que passei a nutrir pelo sistema. Apesar da intransigência matrimonial para com as capitanias financeiras, este manifesto mais uma vez, acontece entre as ‘marchas ensaiadas’ do dia a dia.

 

Afinal a classe média quer/se civilizada, com superstições vagas e revivescências românticas de gosto apagado. Peregrinos da insatisfação a caminho da Nova Inglaterra.

 

- É muito simples mamas e papas fundadores da privilegiada tirania, não me farão fechar a boca, nem tu oh portentosa descendência histórica que herdou os sis bemóis. Tu não mandas em mim.

 

Ajoelhai-vos oh casa-grande, quando o amor pela causa é verdadeiro não há eminentíssima corte, que soando a trombeta romanesca, se atreva a derrubar a nossa convicção.

 

E diz/me o Ricardo:

‘Eu não tinha este ódio dentro de mim. Se não fossem eles, eu nem saberia o que este sentimento significa.’

 

Às vezes sabe bem pensar que a morte não é o passo conclusivo, que somos uma tribo nómada que está apenas e tão somente de passagem. Ter em mente um grande capricho.

 

Altruísmo ou superstição, haverá uma primavera árabe em todos os neandertais.

 

Temos este sonho de ser livres, que a Poesia volte às ruas.


 

CONTRA AS FALSAS CASAS DA CULTURA

 

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