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MANIFESTO

Le bon vilain


 

Se me permitem, vou ser sincero.
 

Que saudades daquela Primavera. 

De mergulhar da gaivota no Portinho da Arrábida, enquanto as meninas tiravam medidas da nossa procrastinação. Dos tempos das prioridades académicas e passionais. Da década em que o pensamento se formava passo a passo, dos lugares clandestinos que frequentávamos com vaidade, das pessoas a quem disse o que me vai na alma, enfim como todos os libertinos na busca incessante do seu significado e que talvez assim, antes que a sombra avance por estes estranhos profundos e lhes incuta a fragilidade soberba do mundo, tenhamos a vaga sensação do que é ser amado.

 

O retrato dos escritores é frequente e ordinário. Lembro-me de uma sala de aula onde me ensinavam o português, as influências que hoje tomo por sentimentais tinham gavetas destinadas aos estudiosos, como a 'nostalgia pela infância', as silabas métricas ou o verso livre. Uma educação sobre lógica discursiva que dá inicio à luta dos modernistas. A dos leitores também.

 

O Mário admitia que só há três maneiras de viver neste mundo: "ou bêbado, ou apaixonado, ou poeta". O António diria: os amigos, as mulheres e os livros.
Parece que somos os mesmos, repetidos, marcados por esta vontade de sonhar. Os heróis que se tornaram ora funcionários cansados, ora poetas a fazer horas extra.
 

Há como saber se é psicose essa vontade de pensar nas montanhas e no mar?

 

O que me valeu a instrospecção, até concursos de poesia ganhei. Como é que se ganha uma merda destas? 

 

Compreendo que se ganhe uma competição de comer sardinhas, os santos fomentam a 

competitividade. É uma grande chatice quando as coisas não são como queremos. Como imaginamos que iam ser. É uma merda ter que fazer pela vida. É tudo à base de conquistas, porra. Vê lá se continuas a lutar, não desistas, olha bem que tens que trabalhar, tu vê lá, nada na vida se tem sem sacrifício, e eu aqui largado... com medo de desistir.

Vejam bem. E eu para aqui largado. Com medo de desistir.

 

Sou poeta com cada vez menos frequência, a medida de eternidade que sou compelido a perseguir e partilhar antes que a morte ou o esquecimento se decida, esgota-se com cada instante de rotina. Já alguém me disse, por gentileza certamente, que fui talhado para a minha ocupação, graças a deus.

 

O meu avô dizia que as pessoas bem formadas são aquelas que levam a vida com um certo optimismo, mas admitia que a transformação entre gerações é total.

 

A meia parte da sociedade obsoleta, como uma casa abandonada onde se ensaia a juventude
A outra metade a fingir empatia
Os patriarcas lati fundiários ou os pequenotes que forjam os seus diários.
A burguesia que engole com pontualidade o afecto que não temos uns pelos outros; O abandono pode ter conforto e vice versa
A medida recomendada de solidão, diria o adolescente compulsivo da família.

 

Agora a liberdade é uma responsabilidade, mas estamos rodeados de ambiguidades de cativeiro, simplesmente lançados aos lobos e às mulheres. Ao vinho e aos cognacs. O terror do sucesso ou do fracasso bem intencionado torna-se constante. mas o retorno pouco substancial. A honestidade traz prejuízo e o ganho está em criar necessidades.

Felizmente descobri não existir nada mais precioso do que ser compreendido.

 

Lá vamos nós, os marcados pela condição de existir, de geração em geração a combater a desilusão.

Parece que estou sempre à espera de mergulhar profundamente em alguma coisa. Algum assunto. Alguma missão. Alguma coisa que dure. Que sirva de consolo ou entretenimento.

À espera ou à beira.

Sonhei com a morte.
Senti a paz que tanto procurei.
Como um dia incrivelmente soalheiro nos tempos de escola.
Uma caminhada para os lados do convento de Mafra.

Como o ar era fresco.
Como os campos se advinhavam.
Livres... Livres da vida.

 

O cenário muda, de repente é um quarto com uma carpete de um vermelho imensurável, os lobos sentados em volta a dormir profundamente.
E o medo. O medo, de que se abrirem os olhos eu ainda ali esteja.

O tempo, mais tempo, sempre o tempo
Que cura, que muda, que é preciso para não sei quê.

 

''Era só uma questão de tempo.
Até que as tuas mãos se apoderassem dos mistérios senis, das costas vicentinas, dos países recentes.''

 

Coitado do Àlvaro de campos, diz o Cesariny
São os planos dos comunistas, diz o cidadão mediático
Mais duas imperiais, diz a minha fiel amiga
Não me deixem ir sozinho para casa, pede a criança que existe dentro de nós.

A vida é para a frente! Vamos! Agora não penses mais nisso. Temos que ser fortes.Temos que dar a volta por cima! Tudo menos as ruas de Lisboa pela madrugada, mais as doses previstas de dupla tristeza.

Atenção a isso!
Que não tarda se notam as dúvidas.
Que não tarda se notam as nódoas na camisa.
Que não tarda te vêm buscar!
Olha que o sistema é antigo e não poupa ninguém como dizia o Jorge.


Não convém nada 'exibir o desgosto nem ter aparência de quem o experimente'

Muito cuidado com os tiques semi decadentes!
Cuidadinho meu amigo.

 

Sentido proibido, alerta o sinal. É considerado um desastre, a proibição com que se depara o menino.
É uma tragédia, aquele miúdo tinha um futuro brilhante... ''Uma coisa é ter futuro, outra coisa é ter a vida toda pela frente.''

Lá vou eu na engrenagem, a transmitir vícios, a ensinar coisas planeadas.
Lá vais tu que eu tanto amo por caminhos que já começaram sem fim.
Lá vais tu que acreditas em mim com marcha de soldadinho de chumbo.

É proporcional ao amor.
Quanto mais te amo mais acreditas em mim.
Quanto mais acreditas mais te quero bem.

 

Pensava apenas em apaixonar-me para ser feliz.
Os rebeldes, como dizem eles.
A rebeldia que tardaria diria o nosso País.

Verdes anos e um gosto na boca a Revolução hipocondrÍaca.
A revolta do dia a dia, a independência que se impõe cada vez mais doentia.
Vamos tentar ser livres, vá lá só mais uma vez.

 

E tu rias, rias.
Só hoje percebo a falta que tu me fazes.
Agora compreendo porque é tão bonita a praça em que conheceste a minha fraca figura. Propaganda minha querida. Foi assim que foram derrubando os poetas à minha altura, cheios de amor por ti e publicidade à fantasia.

Sou um louco de Lisboa, um peão industrial, um megalómano da globalização, um produto de mim mesmo e exijo resultados!

Promessas. Barricadas e despedidas. A verdade é que vamo-nos deixando envelhecer, devagarinho. Cheios de reservas que tenhamos faltado com carinho, dada a condicionalidade da amizade.

 

Pronto, já passou. Podes voltar às tuas insignificâncias.
Deixa lá filho. Amanhã vai ser melhor.
Deixa lá querido. Vais ver que isso passa.

Este miúdo vai ser um espectáculo, é tão esperto, tem tanto potencial.
Esta criança é uma promessa.

 

Os anti belos, anti heróis
Os velhos lobos, somos nós.
Tal como eu repudio ser para o meu filho.

Lá vou eu lançado às expectativas.
Trinta e tal anos de esperança que amanhã vai ser outro dia e que o silêncio não seja o mais próximo que temos da utopia.

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